A Saga da Imigração Italiana no Espírito Santo: Um Resumo Detalhado do livro Italianos da Coleção Canaã feito pela APEES
- Bruno Marchesini
- há 6 dias
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O livro é o resultado de quase duas décadas de trabalho do Projeto Imigrantes Espírito Santo, iniciado em 1995 pelo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES). Seu objetivo principal é registrar e disponibilizar informações sobre a trajetória dos imigrantes, valorizando o papel da memória na formação de uma sociedade democrática. A obra destaca que a importância do projeto vai muito além do desejo de muitos brasileiros de origem italiana de obter a cidadania, abrangendo a preservação da identidade cultural e histórica.
O Início da Imigração Italiana no Espírito Santo: Fluxo Migratório e Suas Causas
A grande imigração italiana para o Espírito Santo ocorreu principalmente entre 1874 e 1914, inaugurando o fluxo migratório italiano em massa para o Brasil, que trouxe mais de 1,5 milhão de italianos até 1940.
Contexto na Itália: O movimento de unificação italiana (Risorgimento), com guerras e anexações de Estados, gerou grande empobrecimento, fome e falta de emprego para a parcela mais pobre da população, especialmente os camponeses. Impostos pesados sobre pequenos proprietários, que viviam de economia de subsistência, também impulsionaram a emigração, somados ao desejo de uma vida melhor em outros países que ofereciam terras.

Contexto no Brasil/Espírito Santo: O Brasil precisava de mão de obra para suas riquezas naturais, principalmente após a proibição do tráfico de escravos (a partir de 1850) e a iminente abolição. A província do Espírito Santo, economicamente inexplorada até meados do século XIX e com pouca densidade demográfica, buscava povoar seu interior e suprir a escassez de trabalhadores nas fazendas de café.
A Expedição Tabacchi e os Primeiros Anos
O marco inicial da imigração em massa é a chegada do navio "La Sofia" no porto de Vitória. A bordo, 388 camponeses, a maioria vindos do Vêneto e do Trentino (então sob domínio austro-húngaro), faziam parte da Expedição Tabacchi, organizada pelo empreendedor privado Pietro Tabacchi. Esse evento é tão significativo que o Dia Nacional da Imigração Italiana é comemorado em 21 de fevereiro no Brasil, data da chegada do navio.

Os imigrantes eram majoritariamente agricultores e católicos, vindos principalmente das regiões do Norte da Itália (Vêneto, Lombardia, Trentino-Alto Ádige, Emilia-Romagna, Piemonte, Friuli-Venezia Giulia, Liguria e Vale d’Aosta), que, juntas, forneceram 92% dos imigrantes.

Destinos e Desafios no Espírito Santo
Os imigrantes foram destinados a diversas áreas do estado, muitas delas em regiões inóspitas e de difícil acesso:
Colônias Oficiais: As principais foram Santa Leopoldina (fundada em 1856, inicialmente para suíços e alemães), Rio Novo (estatizada em 1861), e Castello (demarcada em 1880). Essas colônias oficiais receberam cerca de 57% dos imigrantes italianos.
Expansão para o interior: O esgotamento de terras nas colônias iniciais e a alta taxa de natalidade entre os imigrantes impulsionaram a ocupação de novas áreas, como Venda Nova do Imigrante (a partir de 1891), e as florestas ao norte do Rio Doce.
Fazendas de Café: Muitos foram trabalhar como meeiro ou diarista nas grandes fazendas de café, principalmente no vale do Itapemirim (atuais municípios de Castelo, Muniz Freire, Alegre, Conceição do Castelo, Vargem Alta, Iúna, Muqui). O texto menciona a realidade dos imigrantes, destacando conflitos por exploração e pagamentos abusivos.
Obras Públicas: Imigrantes também foram empregados em obras na capital (Vitória), como a construção do Teatro Melpomene (1895) e de ferrovias. As estradas de ferro atraíram principalmente trabalhadores de Abruzzo e Trentino-Alto Ádige.

Crises e o Fim da Imigração em Massa
Dois fatores foram cruciais para o "fim da imigração em massa de italianos para o Espírito Santo" por volta de 1895-1896:
Denúncias do Cônsul Carlo Nagar: Em 1895, o cônsul italiano em Vitória, Carlo Nagar, denunciou as péssimas condições, maus-tratos e insalubridade nas colônias, especialmente no Núcleo Moniz Freire, onde muitos imigrantes padeceram de febres. Isso levou o governo italiano a proibir a emigração de seus súditos para o Espírito Santo .
O jornal O Cachoeirano, de 29 de janeiro de 1887, publicou a notícia sobre a chegada de 104 imigrantes italianos a Cachoeiro de Itapemirim Crise Econômica: A queda internacional do preço do café a partir do final do século XIX, principal produto da economia capixaba, impediu novos investimentos em contratos de imigração.
A partir de então, as entradas de estrangeiros tornaram-se esporádicas e com um perfil diferente, não mais em levas organizadas, como no século XIX.
O Legado e a Reversão do Fluxo Migratório
O documento enfatiza que o legado da imigração é identificado nos traços culturais preservados, como música, dança, culinária e dialetos. A população capixaba atual possui uma forte ascendência italiana, com algumas pesquisas indicando que a cifra pode ser superior a 50%.
Alta Taxa de Fixação e Crescimento Populacional: A taxa de fixação dos imigrantes italianos no Brasil era muito alta (68,75%), e nas colônias agrícolas, as famílias camponesas apresentavam índices de aumento populacional extraordinários (acima de 4% ao ano), devido à fartura de alimentos e clima favorável.
A Busca pela Cidadania: Uma das principais razões para o renovado interesse nas informações sobre imigrantes foi a possibilidade de obter a dupla cidadania italiana, baseada no princípio jus sanguinis (direito de sangue), reconhecido desde 1912 e regulamentado em 1992 e recentemente apreciado pela Corte Constitucional italiana. Isso gerou uma "corrida aos arquivos" e um aumento na demanda por documentos que comprovassem o vínculo com o antepassado italiano.
"Caminho de Volta" e "Diáspora Brasileira": A partir da década de 1980, com a crise econômica no Brasil, houve uma inversão no fluxo migratório, com muitos capixabas, especialmente os descendentes de imigrantes, buscando oportunidades na Europa e nos Estados Unidos. Esse movimento é chamado de "diáspora brasileira". Curiosamente, após a crise mundial de 2008, o Brasil voltou a atrair imigrantes, e muitos brasileiros retornaram. O texto cita o caso da família Musso-Bisi, que ilustra bem essa dinâmica de idas e vindas entre Brasil e Itália.
O papel do APEES na preservação da memória: O Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, por meio do Projeto Imigrantes, tem um papel fundamental na organização e disponibilização desses dados. O documento descreve a complexidade de transcrever e cruzar informações de diversas fontes (listas de passageiros, passaportes, registros de hospedarias e colônias), muitas vezes com variações na grafia dos nomes ou omissão de dados. O projeto também desenvolveu o "Arquivo Itinerante", levando a pesquisa aos municípios do interior e engajando as famílias na complementação dos dados. A publicação deste livro, e a disponibilização online dos dados, visa facilitar o acesso a essa rica história.
Curiosidades e Desafios da Pesquisa Documental
O documento também oferece insights sobre os desafios e curiosidades inerentes à pesquisa histórica da imigração:
Variações de Nomes: A transcrição de nomes e sobrenomes era complexa devido às diferenças linguísticas e à pouca alfabetização de muitos escrivães, resultando em múltiplas grafias para a mesma família (ex: "Dalçoquio" de "Dalzocchio"). Nomes como "Angela" ou "Angelo", "Francesca" ou "Francesco" podiam gerar dúvidas em documentos manuscritos.
Fontes Documentais: A pesquisa se baseou em diversas fontes, incluindo listas de passageiros (muitas produzidas na Itália), listas de chegada (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro), passaportes, listas coloniais de matrícula, recenseamentos de imigrantes e documentos fornecidos pelos próprios cidadãos.
Stato di Famiglia de Antonio Carreta, es posa e filhos, de 04/12/1888, província de Vicenza. Documento produ zido no distrito onde residiam os imigrantes, contendo informações pessoais dos membros da família. Este é assinado pelo médico de Lo nigo e pelo sindaco (prefeito) da comuna de Sarego, respectivamente como atestado de sanidade e de boa conduta daqueles que queriam emigrar. Acervo: APEES - Cx. DTR-A. Registro de Entrada de Imigrante: O APEES criou um "Registro de Entrada de Imigrante", um documento visualmente atraente, para certificar a chegada do antepassado, utilizado inclusive para processos de dupla cidadania.
Remessas de Dinheiro: Os imigrantes enviavam recursos para suas famílias na Itália, sendo essas remessas importantes para a economia de ambos os lados, um fenômeno que se repete com a diáspora brasileira atual.
Identidade Cultural: A obra reflete sobre a "pátria ideológica" que a Itália representa para as gerações mais novas, que combinam elementos culturais de origem com a identidade brasileira. A persistência de dialetos e festas típicas (como a Festa da Polenta) é um testemunho dessa fusão cultural.
A "Síndrome do Regresso": Mencionada no contexto da "diáspora brasileira", refere-se ao processo nostálgico e depressivo que afeta brasileiros que retornam ao país após um tempo no exterior, evidenciando a complexidade da reinserção.
A Incessante Busca: O documento ressalta a dedicação de historiadores e da equipe do APEES em meio a recursos escassos e condições precárias do acervo, movidos pela paixão em desvendar e preservar a história da imigração.

Em síntese, o livro "Italianos" é uma ferramenta valiosa que não apenas organiza uma vasta quantidade de dados sobre a imigração italiana no Espírito Santo, mas também oferece um olhar aprofundado sobre os fatores históricos, sociais e culturais que moldaram essa importante fase da formação do estado e, por extensão, do Brasil. Sem dúvidas uma leitura prazerosa e enriquecedora.
A Coleção Canaã encontra-se disponível no link abaixo:
O livro "Italianos" está disponível para download no link abaixo:
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